Por Viviane França(*)
Ser mulher é político. Estar no palco, também
“I’m on the right track, baby, I was born this way.”
“Estou no caminho certo, baby, Eu nasci assim”
Lady Gaga
No dia 03 de maio, mais de dois milhões de pessoas ocuparam a praia de Copacabana para ver uma mulher no palco. Mais que um show, o que Lady Gaga entregou foi um espetáculo de pertencimento, coragem e afirmação. O maior da sua carreira, o maior de uma artista feminina na história, e um dos maiores já realizados no mundo. E quem assistiu, sentiu: ali, havia mais que luzes, som e coreografia. Havia uma mensagem poderosa, visceral sobre ser mulher, ser livre e ocupar espaços.
Não é apenas sobre pop. É sobre política. Porque cultura é política pública, e cultura acessível também é instrumento de transformação. Ver uma mulher liderando uma multidão tão diversa, com voz forte e vulnerável ao mesmo tempo, é lembrar que representatividade importa. É lembrar que quando mulheres sobem ao palco, outras milhares se levantam com elas.
Lady Gaga não esconde suas dores. Fala sobre abuso sexual, saúde mental, envelhecimento na indústria e as inúmeras vezes em que foi silenciada por ser mulher. Mesmo em um mundo que insiste em chamá-la de “demais” (intensa demais, estranha demais, exagerada demais), ela responde com arte e presença. E nos lembra: “o mundo não precisa de outra cópia, ele precisa do seu original”.
Essa coragem ecoa nas milhares de mulheres brasileiras que enfrentam a violência política todos os dias. Quando uma mulher ocupa um cargo público, fala em uma tribuna, lidera uma equipe ou sobe ao palco, ela está afirmando sua existência em um espaço que historicamente tentou silenciá-la. Recentemente, em Contagem, vivi isso de perto. Em uma plenária oficial, ataques, dirigidos não apenas a mim, como secretária, mas à Prefeita Marília e a todas nós que ousamos estar em espaços de decisão. Ser mulher em cargo de liderança ainda incomoda – e muito.
Por isso, ver Gaga ser ovacionada por milhões, ocupando o espaço público com arte, é também um símbolo de resistência. No país que lidera as estatísticas de violência contra a população LGBTQ IAPN+ e que ainda luta para garantir equidade de gênero, ver corpos livres e coloridos celebrando a vida é, sim, um ato político.
E mais: o impacto não se mede apenas em emoção. Foram cerca de 600 milhões de reais injetados na economia carioca, mais de 1.500 empregos diretos, ocupação hoteleira recorde. Esse é o potencial da economia da cultura. E esse modelo não é utopia.
Em Contagem, investimos nisso. A cada grande evento gratuito promovido pela Prefeitura, como os shows em espaços públicos da nossa cidade, vemos o mesmo movimento: ruas cheias, famílias juntas, artistas valorizados e a cidade pulsando.
Mas essa lógica se estende além dos palcos. A revitalização de praças, parques e espaços de convivência é também uma forma de garantir segurança pública. É preciso romper com a ideia ultrapassada de que investir em cultura, lazer e urbanismo é “gasto supérfluo”. Pelo contrário: quando as pessoas circulam pela cidade, quando sentem que ela é delas, a sensação de pertencimento se amplia e a violência diminui. Espaços bem cuidados, com programação, iluminação e vida, afastam o medo e aproximam a comunidade. Quanto mais gente na rua, mais segurança temos. Quanto mais arte, menos abandono. Quanto mais cultura, menos silêncio.
A arte tem esse poder. Une, cura, dá sentido. Cria comunidade, como disse a própria Gaga no palco. E comunidade se faz com escuta, com presença, com espaço. Com políticas públicas que entendam que investir em cultura é investir em saúde emocional coletiva, identidade e autoestima.
Que o show da Lady Gaga seja lembrado não apenas pelo recorde, mas pela mensagem: mulheres no palco transformam o mundo ao seu redor. E que possamos construir um país onde essa transformação seja regra, e não exceção. Onde tem mulher no palco, tem revolução na plateia.
*VIVIANE FRANÇA é Mulher, Advogada, Pesquisadora, Mestre em Direito Público, Especialista em Ciências Penais, autora do livro Democracia Participativa e Planejamento Estatal: o exemplo do plano plurianual no município de Contagem. Secretária de Defesa Social de Contagem/MG, Sócia do França e Grossi Advogados.