Nada sobre Nós sem Nós: a construção da sociedade inclusiva

A construção de uma sociedade estruturalmente inclusiva exige a eliminação ou a equalização de barreiras que historicamente marginalizam diferentes grupos populacionais. Esse processo não se limita às pessoas com deficiência, mas abrange todos os segmentos sociais que, por razões culturais, econômicas ou estruturais, encontram-se em situação de subjugação nas relações de poder.
São esses grupos minorizados que enfrentam barreiras à sua plena inclusão social, desde obstáculos físicos e institucionais até barreiras mais sutis e insidiosas, como as atitudinais. Estas, em particular, manifestam-se em preconceitos, discriminações e no capacitismo, que perpetuam a exclusão e dificultam a participação igualitária desses indivíduos na sociedade. Nesse sentido, superar tais barreiras é uma condição indispensável para a construção de um ambiente verdadeiramente justo e democrático.
As barreiras estruturais, sejam elas físicas, comunicacionais, institucionais ou culturais, precisam ser enfrentadas de forma abrangente. Para isso, as políticas públicas desempenham um papel essencial, uma vez que são os instrumentos por meio dos quais a sociedade pode promover transformações concretas em suas bases estruturais. No entanto, essas políticas são, em grande medida, moldadas pelas práticas e demandas dos indivíduos e coletividades em seu cotidiano.
É nesse ponto que o associativismo se torna uma ferramenta fundamental. A união de indivíduos que compartilham experiências de exclusão ou que são solidários à luta por igualdade pode potencializar a influência sobre as decisões políticas. Associações e movimentos sociais são espaços de articulação e resistência, nos quais vozes plurais se fortalecem para exigir mudanças efetivas. Essa dinâmica de participação não apenas fortalece a democracia, mas também assegura que as políticas públicas reflitam as reais necessidades e demandas da população.
Entre todas as barreiras enfrentadas, a atitudinal é a mais difícil de se superar, pois está enraizada em preconceitos culturais e sociais profundos. Ela se manifesta em atitudes discriminatórias, estigmas e na falta de empatia para com aqueles que são percebidos como “diferentes”. A superação dessa barreira requer um esforço coletivo e educativo que promova a conscientização e o respeito à diversidade. Educação Inclusiva, campanhas de sensibilização e o incentivo à convivência são caminhos eficazes para desconstruir preconceitos. Além disso, a valorização das contribuições únicas de cada indivíduo para a sociedade deve ser central no discurso inclusivo, garantindo que a diversidade seja percebida como uma riqueza e não como um obstáculo.
É por isso que o slogan “Nada sobre Nós sem Nós” sintetiza a essência de uma sociedade inclusiva. Ele reforça a necessidade de que as pessoas diretamente afetadas por barreiras sociais estejam no centro das discussões e das tomadas de decisão que impactam suas vidas. No entanto, esse princípio não deve ser interpretado como uma exclusão de outros grupos solidários à causa. Pelo contrário, a construção de uma sociedade inclusiva é uma responsabilidade coletiva, que demanda a participação de todos os setores sociais.
Quando indivíduos de diferentes grupos minorizados unem-se em prol de objetivos comuns, criam-se condições para uma transformação estrutural mais ampla e significativa. A participação plural confere legitimidade às ações inclusivas e promove a solidariedade entre diferentes segmentos da população.
A construção de uma sociedade estruturalmente inclusiva é um desafio que exige a superação de barreiras de diferentes naturezas, com especial atenção àquelas atitudinais. Essa transformação só será possível por meio de políticas públicas eficazes, moldadas por movimentos sociais fortes e participativos, bem como pela adesão de indivíduos de todos os segmentos sociais.
Ao adotar o princípio de “Nada sobre Nós sem Nós” como guia, a sociedade pode assegurar que as vozes de todos sejam ouvidas e respeitadas. Somente assim é possível construir um futuro em que a igualdade, a justiça e a inclusão sejam os alicerces de uma convivência verdadeiramente humana e solidária.

Com a contribuição de André Naves, defensor público federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social, mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador cultural, escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).

 

Coluna Mulher – 02.03.2025 – Março: o Mês da Mulher e as conquistas femininas no Brasil

Por Viviane França(*)

O mês de março é um período de reflexão sobre as lutas e conquistas das mulheres ao longo da história. Mais do que celebrar o Dia Internacional da Mulher, é um momento de reconhecer os avanços conquistados e os desafios que ainda persistem. Desde o direito ao voto até a criação de leis que protegem os direitos femininos, a trajetória das mulheres no Brasil é marcada por resistência e superação.
Em 24 de fevereiro de 1932, as mulheres brasileiras conquistaram o direito ao voto com a promulgação do Código Eleitoral, um marco que simbolizou o início de uma jornada por direitos políticos e sociais. Essa vitória não ocorreu de forma isolada, mas sim como resultado de décadas de mobilização e resistência de mulheres que lutaram por reconhecimento e igualdade.
A pioneira dessa trajetória foi Bertha Lutz, uma das principais lideranças do movimento sufragista brasileiro. Seu trabalho incansável foi essencial para que o voto feminino fosse incorporado ao Código Eleitoral de 1932, ainda que, inicialmente, o direito fosse restrito a mulheres casadas com autorização dos maridos ou solteiras e viúvas com renda própria. Foi apenas em 1934, com a nova Constituição, que o sufrágio feminino se tornou universal.
Ao longo das décadas, outras conquistas fortaleceram a presença efetiva das mulheres em diversas esferas da sociedade. Em 1962, o Estatuto da Mulher Casada pôs fim à necessidade de autorização do marido para que a mulher pudesse trabalhar, representando um avanço na autonomia feminina. Nos anos 1970, a aprovação da Lei do Divórcio (1977) permitiu que mulheres pudessem encerrar casamentos de forma legal, rompendo com a imposição social de vínculos matrimoniais inescapáveis. Além disso, em 1979, foi revogada a proibição da prática do futebol feminino, possibilitando a inserção das mulheres no esporte de maneira oficial.
Com a promulgação da Constituição de 1988, um novo capítulo foi escrito na história dos direitos femininos no Brasil. Pela primeira vez, foi garantida a igualdade de direitos entre homens e mulheres de maneira expressa, o que impulsionou a criação de leis e políticas públicas para a proteção e promoção da participação feminina. Entre os avanços mais emblemáticos das últimas décadas, destacam-se:
n Lei Maria da Penha (2006): considerada pela ONU uma das legislações mais avançadas no combate à violência doméstica, estabelecendo mecanismos de proteção às vítimas e punição aos agressores.
n Lei do Feminicídio (2015): tipificando o assassinato de mulheres por razões de gênero, com penas mais severas.
n Lei da Importunação Sexual (2018): criminalizando atos de assédio em espaços públicos e privados.
n Lei contra a Violência Política de Gênero (2021): protegendo mulheres que atuam na política contra-ataques e ameaças motivados por gênero.
Apesar dessas conquistas, ainda há muitos desafios a serem superados. A participação feminina na política, por exemplo, segue aquém do ideal, mesmo com cotas obrigatórias para candidaturas, fazendo com que, mesmo sendo maioria do eleitorado, nem 20% da representação parlamentar foi alcançada. Para além da questão de representação, há um problema ainda mais grave: o Brasil figura entre os países com altos índices de violência contra a mulher e o Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela dados assustadores e crescentes, o que demonstra a necessidade de fortalecer políticas públicas e ações de conscientização.
Celebrar março como o mês das mulheres é reconhecer a força de mulheres que desafiaram o sistema e abriram portas para outras. É também um lembrete de que a democracia só será plena quando todas as vozes forem ouvidas. O caminho até aqui foi de muitas lutas, mas o futuro depende da continuidade dessa mobilização, garantindo que as novas gerações de mulheres encontrem um país mais igualitário e justo.

*VIVIANE FRANÇA é Mulher, Advogada, Pesquisadora, Mestre em Direito Público, Especialista em Ciências Penais, autora do livro Democracia Participativa e Planejamento Estatal: o exemplo do plano plurianual no município de Contagem. Secretária de Defesa Social de Contagem/MG, Sócia do França e Grossi Advogados.