Viviane França(*)
Conheci Zenilda Cordeiro na minha adolescência. Ela é cabeleireira, e eu sua cliente. O que mais me chamava atenção, além da sua beleza única, era a forma como aquela mulher encarava a vida, uma mistura de garra e alegria que me contagiava. Fiquei ainda mais surpreendida quando conheci a sua história. O que foi acontecendo nos nossos momentos no salão.
Zenilda Cordeiro é mãe solo de 5 filhos, avó, vítima de violência doméstica e hoje enfrenta uma batalha contra o câncer. A trajetória de superação entre a violência e o câncer é um exemplo de resiliência. A maior lição? Zenilda nunca perdeu a alegria e a vontade de viver.
– Me fale um pouco sobre a violência que sofreu e como isso impactou sua vida?
Zenilda – O pai dos meus filhos era muito jovem eu tinha 16, ele 18 anos, mas ele era cercado de uma violência; ele apanhava muito e transferia isso para mim. No entanto, a gente estava vivendo a segunda gravidez e eu nem tinha idade para me casar. Como a gente é criado com agressão, acabamos nos acostumando, como que se fosse natural. Parecia que era eu que estava errada. Chegava a pensar que tinha que melhorar meu comportamento porque o que eu estava fazendo levava ele a me agredir.
– Como rompeu o ciclo?
Zenilda – Engravidei do segundo filho e voltei a querer estudar. Eu disse que ia estudar e tirar a minha carteira, queria ser uma pessoa melhor na vida. Comecei a estudar, completei o segundo grau e fiz o curso de cabeleireira no Senac. Depois eu fiz um curso técnico de enfermagem.
Fui levando aquela vida até o dia em que, chegando da escola, ele me esfaqueou. Quase me matou. Foi onde eu respirei fundo e repensei a minha vida. Pensei: se eu escapasse e sobrevivesse, não voltaria para ele nunca mais. Com a ajuda e apoio do meu filho mais velho (7 anos à época) tomei força e fui trabalhar para sustentar os meus meninos. Não foi fácil.
Fazia faxina, vendia coisas de porta em porta. Comecei a trabalhar em salão. Em seguida, montei um salão em casa, o que deu muito certo pelo compromisso e pela qualidade do meu trabalho com as clientes.
– Como foi receber o diagnóstico de câncer?
Zenilda – Foi um choque enorme, foi como terremoto, uma coisa muito inesperada. Nunca imaginei que isso poderia acontecer comigo. Essa situação que me tirou o chão: fui diagnosticada com leucemia no dia 15 de junho de 2023. Graças a Deus agora eu tô em remissão e sinto que a minha fé me salvou.
– Como essas duas experiências moldaram sua percepção sobre força e resiliência?
Zenilda – Eu sobrevivi à violência doméstica e estou sobrevivendo ao câncer. Essas experiências me ensinaram a importância da resiliência e da força interior. Deus tem um plano para mim, e sei que ainda há muito a ser feito. Cada desafio superado me fez mais forte e mais determinada a viver plenamente.
– Que mensagem você gostaria de passar para outras mulheres?
Zenilda – Cuidem-se! Observem os sinais do corpo e façam exames regulares. A saúde é o bem mais precioso que temos. Se coloquem em primeiro lugar.
Sobrevivi à violência durante anos e estou sobrevivendo à leucemia, e sei que Deus tem um plano na minha vida. Durante muito tempo eu vivi fazendo para os outros, para família, para os filhos e esqueci um pouquinho de mim, que é o que acontece com a maioria das mulheres. O que eu diria para as mulheres hoje é: se coloquem em primeiro lugar, porque se você não tiver bem você não consegue ajudar ninguém.
Agradeço a Deus por cada dia e pela oportunidade de compartilhar minha história.
A história de Zenilda, assim como a de Iranilda, Sheila, Gina e Keila se cruzam em um sentimento comum: força e coragem. A coluna da Mulher também representa essas vozes. E a sua experiência, pode ser compartilhada conosco?
(*)Viviane França: mulher, Advogada, Pesquisadora, Mestre em Direito Público, Especialista em Ciências Penais, autora do livro Democracia Participativa e Planejamento Estatal: o exemplo do plano plurianual no município de Contagem. Secretária de Defesa Social de Contagem/MG, Sócia do França e Grossi Advogados.