Por Viviane França(*)
“Quem move a sociedade são as invisíveis…”, “existe vida dentro da vida” – foi com essas frases repletas de significados que ela começou a nossa conversa. Recebi, para mais uma entrevista do quadro SobreVências, a podóloga contagense Cláudia Estevão (foto). Na conversa, percebi que ela decidiu entregar para a coletividade a sua história, suas dores e sua força. E encontrou no papel transformador da palavra compartilhada, um meio. Que bom que a Coluna da Mulher tem se tornado esse espaço.
– Cláudia, conte um pouco sobre você – Meu nome é Cláudia, tenho 54 anos e estou divorciada há três anos. Fui criada em um lar muito religioso, onde muitas situações que hoje reconheço como violência eram vistas como normais. Sempre ouvi que, se o marido trazia sustento para casa e não batia, não havia o que reclamar.
– Como você percebeu que também vivia violência doméstica? Foi um choque. A violência psicológica é a mais difícil de identificar, porque nem nós acreditamos que ela exista. Eu achava que as coisas que me diziam eram normais. Só percebi porque comecei a participar de grupos de mulheres, onde expandi meus horizontes e pude enxergar padrões que eu reproduzia.
– Como foi lidar com as consequências dessa descoberta? O mais difícil foi reconhecer que esses comportamentos estavam na minha criação e também nas atitudes que reproduzi com minha filha. É um processo doloroso perceber que aquilo que vivi não era normal.
– Você também mudou sua visão sobre o feminismo? Completamente. Eu criticava o feminismo por desconhecimento, mas hoje digo que fui salva por ele. O contato com outras mulheres e a troca de histórias me deram coragem para transformar minha vida.
– O divórcio foi libertador para você? Sim, mas foi um processo longo e doloroso. Não foi fácil enfrentar os medos e a dependência emocional, que ainda estou superando. Porém, hoje vejo como foi essencial para recuperar meu amor-próprio e recomeçar.
– Como sua carreira contribuiu para sua transformação pessoal? Sou podóloga há 14 anos e sempre trabalhei, mas só recentemente decidi me dedicar à organização de eventos em Contagem, minha cidade. Esse envolvimento trouxe propósito à minha vida e me conectou com mulheres incríveis, tanto na podologia quanto em movimentos femininos.
– Como os grupos de mulheres impactaram sua vida? Eles me ajudaram a entender que não estou sozinha e que o apoio mútuo é essencial. Em encontros e eventos, compartilhamos histórias, sonhos e aprendizados, o que me dá forças para continuar me reinventando.
– E sobre a sua relação com a maternidade? Eu sempre valorizei minha filha, que hoje tem 27 anos e é uma mulher incrível. Ela também me ajudou a enxergar muitas coisas. Mas vejo a maternidade de forma crítica; não acho que ela define quem somos como mulheres.
– Qual foi o momento de virada na sua vida? Foi perceber que estava em um ciclo que não me fazia bem e que não queria mais viver assim. O divórcio foi o ponto de partida para minha liberdade emocional e uma nova fase de descobertas.
– Que conselho você daria para mulheres que vivem situações de violência psicológica? Minha mensagem é: preste atenção na história que você quer contar sobre você mesma. É difícil romper com padrões, mas é possível. Cada mulher tem seu tempo, mas lembre-se de que você merece viver uma vida da qual tenha orgulho.
A história de Cláudia é um exemplo de coragem e resistência. Ela nos lembra que, mesmo diante de desafios, é possível recomeçar e criar uma trajetória da qual se orgulhar. Sua mensagem inspira mulheres a olharem para si mesmas com amor, buscando o que as faz felizes e realizadas.
*VIVIANE FRANÇA é Mulher, Advogada, Pesquisadora, Mestre em Direito Público, Especialista em Ciências Penais, autora do livro Democracia Participativa e Planejamento Estatal: o exemplo do plano plurianual no município de Contagem. Secretária de Defesa Social de Contagem/MG, Sócia do França e Grossi Advogados.