Coluna Mulher – 22.06.2025 – Violência digital e inteligência artificial: um novo desafio para proteção das mulheres

Por Viviane França(*)

Violência digital e inteligência artificial: um novo desafio para proteção das mulheres

Em abril deste ano, o Brasil deu um passo importante para proteger as mulheres em um cenário que avança rapidamente: o uso da tecnologia como instrumento de violência. Foi sancionada a Lei nº 15.123/ 2025, que aumenta em até 50% as penas para crimes de violência psicológica quando for comprovado o uso de inteligência artificial (IA) na prática do delito.

Este avanço legislativo é necessário e urgente. A tecnologia, que tanto nos oferece, também pode se tornar uma poderosa ferramenta de opressão. Hoje, qualquer pessoa com habilidades básicas consegue manipular imagens, vídeos e áudios. Deepfakes, conteúdos falsos e montagens são criados com poucos cliques e, muitas vezes, viralizam antes mesmo de serem questionados. Para muitas mulheres, isso significa viver um pesadelo: ter sua imagem exposta de forma humilhante, sua voz adulterada para falas que jamais pronunciariam, sua reputação destruída em segundos.

A violência digital é um prolongamento das violências que já conhecemos: psicológica, moral, patrimonial, política… Ela se insere em um ciclo perverso que busca silenciar, envergonhar e isolar as mulheres. E o ambiente virtual, que deveria ser um espaço de conexão e oportunidade, muitas vezes se torna um território hostil e amedrontador.

O impacto na vida das vítimas é profundo. Mulheres que sofrem esse tipo de ataque enfrentam não apenas o trauma da exposição e do constrangimento público, mas também um abalo em sua saúde mental. Ansiedade, depressão, medo de sair de casa, abandono de redes sociais e até afastamento do trabalho são consequências possíveis. O dano atinge a autoestima, as relações pessoais e o futuro profissional.

A dualidade da tecnologia se revela cruel nesses casos. De um lado, vivemos uma era em que a inteligência artificial nos oferece possibilidades incríveis: diagnósticos médicos mais rápidos, segurança pública, acessibilidade para pessoas com deficiência, ferramentas que facilitam a vida cotidiana. De outro, a mesma tecnologia pode ser usada como arma e, como tantas vezes na história, o alvo mais frequente são as mulheres.

Infelizmente, temos visto casos reais: mulheres sendo vítimas de montagens pornográficas para vingança pessoal, figuras públicas sendo alvos de campanhas de difamação e até adolescentes sofrendo bullying digital com conteúdo falso criado por IA. Esses crimes ferem a dignidade e afetam profundamente a saúde mental, além de terem impacto profissional e social.

É necessário que falemos sobre isso. Muitas mulheres sequer sabem que podem ser vítimas ou que há mecanismos para se proteger. A nova lei é um instrumento que ajuda a colocar o tema no debate público, mas ainda temos muito a construir: é preciso capacitar as forças de segurança para lidar com crimes digitais, exigir que plataformas online desenvolvam respostas mais rápidas e eficazes e promover campanhas educativas sobre segurança digital e uso consciente da tecnologia.

Nesse cenário, o papel da educação é fundamental. Desde cedo, meninas e meninos precisam aprender a navegar com segurança no ambiente virtual. A educação digital deve estar presente nas escolas, nas campanhas públicas e no diálogo familiar, ensinando crianças e jovens a identificar riscos, proteger sua privacidade e agir com ética e respeito no mundo online. É preciso formar cidadãos conscientes de seus direitos e responsabilidades, aptos a reconhecer e combater as novas formas de violência.

Em Contagem, temos nos esforçado para estar à frente dessas novas demandas. Por meio de iniciativas como o Elo por Elas e da integração entre Defesa Social e a rede de proteção às mulheres, temos discutido como adaptar nossas políticas para atender também às vítimas de violência digital. É uma luta que exige vigilância constante e inovação.

O combate à violência de gênero, seja no mundo real ou virtual, exige união e sororidade. Que possamos fortalecer nossas redes e garantir que nenhuma mulher se sinta sozinha diante desse novo tipo de agressão. Falar, denunciar e exigir justiça é o caminho para um ambiente mais seguro, também nas telas.

*VIVIANE FRANÇA é Mulher, Advogada, Pesquisadora, Mestre em Direito Público, Especialista em Ciências Penais, autora do livro Democracia Participativa e Planejamento Estatal: o exemplo do plano plurianual no município de Contagem. Secretária de Defesa Social de Contagem/MG, Sócia do França e Grossi Advogados.

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