Artigo: O futebol e a doença do século

Por Mardionelhy Cristina de Almeida
Enfermeira Especialista em Saúde da Família


A muito tempo que é sabido o amor que o Brasil sente pelo futebol. Começou ainda nos primórdios, com uma esfera irregular em formato de bola, feito por material não especificado que lançado ao chão e rebatido com os pés causava uma reação hormonal de intenso prazer nos humanos. Com passar dos tempos foi aprimorado e recebeu o nome de futebol.

No Brasil, Charles Miller, um brasileiro que estudava na Inglaterra e lá teve contato com o futebol em 1894, trouxe uma bola e um conjunto de regras para o Brasil. A primeira partida de futebol no Brasil foi realizada em São Paulo, no dia 14 de abril de 1895. Quantos anos se passaram, e essa paixão é até hoje vivida em cada partida, independente do time do coração. Hoje vivemos em um país que carrega títulos importantes no meio futebolístico também carrega o título de quarto lugar no mundo de mortes doenças causadas por câncer.

Estima-se, para o Brasil, biênio 2018-2019, a ocorrência de 600 mil casos novos de câncer, para cada ano. Excetuando-se o câncer de pele não melanoma (cerca de 170 mil casos novos), ocorrerão 420 mil casos novos de câncer. O cálculo global corrigido para o sub-registro, segundo MATHERS et al., aponta a ocorrência de 640 mil casos novos. Essas estimativas refletem o perfil de um país que possui os cânceres de próstata, pulmão, mama feminina e cólon e reto entre os mais incidentes, entretanto ainda apresenta altas taxas para os cânceres do colo do útero, estômago e esôfago.

Os tipos de câncer mais incidentes no mundo foram pulmão (1,8 milhão), mama (1,7 milhão), intestino (1,4 milhão) e próstata (1,1 milhão). Nos homens, os mais frequentes foram pulmão (16,7%), próstata (15,0%), intestino (10,0%), estômago (8,5%) e fígado (7,5%). Em mulheres, as maiores frequências foram encontradas na mama (25,2%), intestino (9,2%), pulmão (8,7%), colo do útero (7,9%) e estômago (4,8%) (FERLAY et al., 2013).

Em 1895 aconteceu a primeira partida de futebol oficial em Várzea do Carmo, São Paulo, sendo sede do primeiro jogo de futebol do Brasil. O jogo foi entre São Paulo Railway e Companhia de Gás, os times eram formados por ingleses que moravam em São Paulo. A aristocracia dominava as ligas de futebol, enquanto o esporte começava a ganhar as várzeas. As camadas mais pobres da população e até negros podiam apenas assistir. Somente na década de 1920, os negros passaram a ser aceitos ao passo que o futebol se massifica, especialmente com a profissionalização em 1933.

Alguns clubes, principalmente fora do eixo Rio de Janeiro e São Paulo, ainda resistiam à modernização e continuavam amadores. Mas com o passar do tempo, quase todos foram se acomodando à nova realidade. Durante os governos, principalmente de Vargas, foi feito um grande esforço para alavancar o futebol no país.

A construção do Maracanã e a Copa do Mundo do Brasil (1950), por exemplo, foram na Era Vargas. A vitória no Mundial de 1958, com um time comandado pelos negros Didi e Pelé, pelos mestiços Vavá e Garrincha e pelo capitão Bellini, ratificou o futebol como principal elemento da identificação nacional, já que reúne pessoas de todas as cores, condições sociais, credos e diferentes regiões do país.(Coelho, 2009).

Ao mesmo tempo em que é nítido o aumento da prevalência de cânceres associados ao melhor nível socioeconômico – mama, próstata e cólon e reto -, simultaneamente, temos taxas de incidência elevadas de tumores geralmente associados à pobreza – colo do útero, pênis, estômago e cavidade oral. Esta distribuição certamente resulta de exposição diferenciada a fatores ambientais relacionados ao processo de industrialização, como agentes químicos, físicos e biológicos, e das condições de vida, que variam de intensidade em função das desigualdades sociais.

Qual a relação entre o futebol e as doenças cancerígenas? São inúmeras e controvérsias porque cada uma denomina peculiaridades distintas. O brasileiro tem toda atenção voltada ao prazer de assistir uma partida de futebol porem esquece da consulta anual para controle e prevenção de doenças. Os meios de comunicação (rádios, televisão e jornais) enfatizam os campeonatos por acharem que audiência e as vendas são maiores do que um anuncio de campanhas de prevenção ao câncer.

O que dizer de um pais onde a prevenção para estes tipos de doença ainda precisa ser vivida e exposta assim como as partidas de futebol são chamariz ao público que assiste. Campanhas devem ser efetivadas nos meios de comunicação em horário nobre, temas abordados nos cotidianos novelísticos e jornal deveriam estampar na primeira página para o incentivo a consulta anual de saúde.

O termo “estádio” é usado para descrever a extensão ou a gravidade do câncer. No estádio inicial, a pessoa tem apenas um pequeno tumor maligno. No avançado, o tumor, maior, já pode ter se espalhado para as áreas próximas (linfonodos) ou outras partes do corpo (metástases). Já no futebol “estádio” denomina local onde são realizadas as partidas que definem um campeonato que pode ser dividido em vários estágios aumentando a sensação de prazer e preocupação aos resultados que darão título ao vencedor.

Quanta ironia em um pais viciado em futebol e ao mesmo tempo tão descuidado com a saúde ao ponto de muitas vezes a doença, quando descoberta estar em níveis considerados críticos e sem muitos recursos para tratamento, determinando ao paciente apenas orar e esperar o melhor momento. Assim acontece em uma partida de futebol quando no segundo tempo, faltando poucos minutos para apito final o juiz (medico) é responsável por erguer o braço rumo ao time vencedor (paciente sadio) e tornando visível a derrota da torcida adversaria (Paciente doente), finalizando o jogo (morte).

Por fim, o grande desafio está no campo da mobilização social. Como garantir a articulação de políticas de saúde com políticas de educação, rompendo preconceitos e quebrando o paradigma de que o câncer é sinônimo de morte? A difusão de experiências bem-sucedidas, com engajamento de voluntariado e captação de recursos por ações integradas, é essencial para que alcancemos os objetivos propostos e para a sustentabilidade das estratégias de mobilização que visam a redução dos casos e óbitos por câncer e para a efetiva melhora da qualidade de vida dos pacientes, proporcionando um maior número de jogadores para as partidas de campeonatos futuros.

Referências
COELHO, Paulo Vinicius. Bola Fora – A história do êxodo do futebol brasileiro. Panda Books, 2009. ISBN 978-85-7888-019-4; FERLAY, J. et al. Cancer incidence and mortality worldwide: sources, methods and major patterns in GLOBOCAN 2012. International Journal of Cancer, Genève, v. 136, n. 5, p. 359-386, 2015; e MATHERS, C. D. et al. Global burden of disease in 2002: data sources, methods and results. Geneva: WHO, 2003. (Global programme on evidence for health policy discussion paper, v. 54).

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